O
porte físico avantajado e as inúmeras tatuagens ao longo do dorso
chamam todas as atenções para Sales Barbosa. O largo sorriso no rosto é
outra característica latente ao artista plástico que recicla móveis
usados, em sua maioria, encontrados no lixo, e que guarda uma história
cheia de importantes lições.
A casa de Sales é a grande vitrine de seu trabalho, ali ele expõe seu
hobbie que é a pintura de telas, e também os móveis que produz e
reforma. "Aqui em casa é assim, quando estou deitado começo a pensar em
como posso recriar um móvel, de repente as ideias surgem e eu remonto a
minha casa. As pessoas vêm me visitar e ficam encantadas com o trabalho,
acabo tendo que vender tudo, mas pra mim é um prazer", comenta o
artista de 40 anos.
Sales trabalha em uma oficina improvisada no fundo de sua casa, onde há três anos ele começou a dar um novo ruma à sua vida, e onde encontrou a profissão que rende sustento à sua família. De acordo com ele, o projeto de remontar móveis usados começou quando ele passou por dificuldades financeiras e precisava de uma renda maior. A ajuda dos vizinhos no crescimento e divulgação do negócio foi fundamental.
"Fui ficando conhecido pelo tradicional boca a boca mesmo, tinha um vizinho que queria mudar sua sala, aí me chamava para realizar o trabalho, esse vizinho, por sua vez, comentava com outro que precisava de um serviço diferente, e assim foi indo. Além disso, a meninada da rua sempre ajuda, me falando onde encontro algum armário, ou móvel velho que alguém jogou fora por aí", comenta Sales no momento em que um dos "meninos ajudantes" chegava com a notícia de mais uma mobília abandonada na vizinhança.
"Eu transformo lixo em luxo" é o grande bordão de Sales, que além de artista é um bom negociante e até conselheiro dos vizinhos e amigos do conjunto Vingt Rosado. Ele comenta que na maioria das vezes restaura um móvel e acaba trocando por outro velho, lucrando apenas a diferença, mas que isso é benéfico, pois torna os preços mais acessíveis ainda aos compradores e permite que nunca falte trabalho para ele.
"Às vezes estou deitado na rede me balançando e raciocinando o que posso fazer com esses móveis. Às vezes minha cabeça fica explodindo de ideias, eu monto e desmonto uma mobília três vezes e só fico satisfeito quando ela consegue representar aquilo que eu estava imaginando", ressalta Salles, que além de reformar ou reformular os móveis, também pinta e cria texturas neles.
Sales revela que um dos seus grandes sonhos é transformar sua casa em uma galeria, onde ele irá exibir seu trabalho, tanto na pintura como na mobília, e poderá incentivar jovens e talentosos artistas a produzirem também. "Eu tenho a esperança de um dia ter uma galeria, mostrando este trabalho que além de artístico também tem caráter social e ambiental", diz o artista, relembrando que praticamente todo o material que ele usa vêm de reciclagem.
Passado difícil, futuro promissor
Apesar do sorriso constante, a história do artista Sales Barbosa não
se resume apenas a passagens felizes ou harmoniosas. Ele conta que antes
dos últimos três anos, quando começou a realizar seu trabalho de
reforma de móveis usados, viveu o pesadelo das drogas pesadas, afundando
no vício em crack, quando chegou até mesmo a mendigar nas ruas da
cidade.
"A arte foi um mundo em que eu me escondi das drogas, eu fiz
da minha casa meu refúgio e refúgio pra minha arte", comenta o
sorridente artista, que diz não se envergonhar de falar sobre o passado
tumultuado, inclusive colocando como uma das missões de sua vida poder
contar para outros dependentes químicos a sua experiência no submundo
dos entorpecentes e os malefícios das drogas.
Sales comenta que
mesmo quando se envolveu com as drogas já gostava de arte, e que andava
pelas ruas da cidade observando as casas, vendo decorações e ideias que
hoje ele pode colocar em prática na sua própria residência e nos
trabalhos que realiza para clientes. "Eu já esculpia algumas coisas,
fazia pequenas artes enquanto estava no vício, mas aquela vida era
anormal, viver no mundo das drogas é anormal", pondera Sales.
O
artista afirma que grande parte de sua transformação, nos últimos três
anos, foi impulsionada pelo amor à família, aos vizinhos, à sua casa e à
sua arte. Os planos para o futuro são muitos, mas Sales não parece se
preocupar com os grandes desafios que ainda virão em sua vida.
Determinação não é algo que falta na história do ex-usuário de drogas,
que hoje pouco a pouco vai reconstruindo a sua história além de encher
de cor e vida aquilo que muitos já se desfizeram.
"Não consigo
controlar essa sensação de utilidade que existe em mim. Hoje eu me sinto
útil, pois agora eu transformo as coisas, tornando-as bela de uma
maneira que muitas pessoas nem acreditam. Eu aproveito da negligência
das pessoas e do desperdício que elas mesmas promovem para dar serventia
a elas, para fazer a mágica", conclui o sorridente artista.
Cláudio Palheta Jr. - Editor do Universo
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