Valeria Silva: “Brasil é imprescindível para um mundo multipolar” |
Protagonistas no governo de Evo Morales, movimentos
sociais bolivianos preocupam-se com o país vizinho: “Aécio Neves seria
um duro golpe na integração latino-americana”
“Se perdermos o processo de mudanças sociais que existe no Brasil,
perderemos muito em toda a América Latina”, decretou Valeria Silva,
nesta sexta-feira (10), em La Paz, Bolívia. A historiadora, cientista
política e representante da Generación Evo, “fenômeno” que tem agrupado
de forma massiva a juventude engajada na transformação pelo qual passa a
nação andina, avalia que “a volta do neoliberalismo significa o fim da
soberania do povo brasileiro”.
Conforme defende a jovem – Valéria tem 24
anos e concorre, nas eleições gerais de 2014, a uma vaga como deputada
suplente pelo Movimiento al Socialismo (MAS) –, o Brasil é referência no
continente pela sua incidência internacional. “O que acontece no país
reflete em todos os vizinhos”, argumenta. “Hoje não temos presença ou
ingerência estrangeira no Brasil, na Bolívia, na Venezuela, no Equador.
Se o Brasil voltar a flertar com o imperialismo, o que fatalmente
acontecerá caso a direita triunfe, tenham certeza de que tentarão
derrubar a todos”.
Yeanet Villegas Oblitas, comunicadora da
Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia
(CSUTCB) e apresentadora do canal Bolívia TV, faz análise similar. Para
ela, a interrupção do projeto popular brasileiro é um golpe à integração
latino-americana. “Se não tivermos o Brasil ao nosso lado, perderemos
em todos os sentidos. Boa parte da integração do continente, política,
econômica e cultural, passa pela importância do Brasil, principalmente
pelas transformações promovidas por Lula e, depois, por Dilma Rousseff”,
aponta. A volta do neoliberalismo seria trágica para todo o
continente”.
Evo, Lula e o gás
Valeria Silva recorda o episódio envolvendo
o governo de Evo Morales e a Petrobras para exemplificar a importância
da solidariedade entre os governos e povos de ambos os países. “O
neoliberalismo fez contratos péssimos, que praticamente entregavam nosso
gás aos compradores. O que o próprio Evo explicou para o povo boliviano
foi que vendíamos o gás com determinados componentes que saíam
praticamente de graça. Então, pediu a Lula para renegociarem e que o
país vizinho pagasse um preço justo, levando em conta todos os
componentes que estavam adquirindo. Lula, que consideramos um irmão de
nossa gente, concordou e disse a revisão era justa, de fato. Na mesma
linha política veio o governo Dilma, que manteve o acordo. No caso de
uma guinada neoliberal, dificilmente os contratos serão renegociados.
“Somos internacionalistas”, declara a jovem
boliviana. “Para nós, a revolução só é possível com articulação
regional e o Brasil é imprescindível para os processos de mudança na
Bolívia e em todos os países que desejam um mundo não unipolar, nem
bipolar, mas multipolar”.
Por fim, Valéria enviou um recado ao povo brasileiro (veja o vídeo).
Se Aécio Neves vencer, avalia, “ressurgirão
temas como bases militares estadunidenses no país e as fronteiras
voltarão a se manchar de sangue, com perseguições em uma suposta guerra
contra o narcotráfico que a própria direita controla”. Derrotar o
neoliberalismo “não é votar apenas por suas famílias ou porque agora
suas casas têm luz, mas votar por todos os povos latino-americanos e por
todos os mortos vitimados pelo imperialismo”.
Movimentos sociais celebram ‘poder popular’
Mais que um governo que alavanca a
economia, promove a redistribuição da renda e minimiza o abismo
econômico entre as classes sociais (até o Fundo Monetário Internacional –
FMI reconhece o crescimento e o acerto ao nacionalizar os recursos
naturais), representantes do movimento social do país avaliam que, desde
2006, a Bolívia vem mudando paradigmas no mundo da política por um
fator especial: a construção do ‘poder popular’.
“Para a ciência política, o que ocorre
hoje no país é inexplicável”, afirma Valeria Silva “As lógicas políticas
da Bolívia de hoje são inversas às lógicas tradicionais. Para nós, para
o próprio governo, o político não tem que perguntar à base, pois o
poder está na base, não na Assembleia”.
Ela explica que o MAS é um amplo
conglomerado de movimentos sociais funcionando em um sistema partidário,
“a via que escolhemos para por em marcha nosso projeto”. O principal
componente que dá unidade à diversidade de atores, segundo Valeria
Silva, é o anti-imperialismo – vale lembrar que, ao longo do histórico
de golpes, regimes ditatoriais e governos entreguistas, os povos
indígenas foram sistematicamente marginalizados e excluídos até a
chegada de Evo Morales, de origem aymara, ao Palacio Quemado.
A Generación Evo, inclusive, “uma explosão
inesperada e espontânea” na conjuntura das eleições de 2014, de acordo
com Valéria Silva, ganhou o reconhecimento do presidente em plena CNN.
Questionado sobre quem virá depois de Evo Morales, caso reeleito, o
presidente foi enfático: “Talvez ainda não tenhamos um sucessor, mas
recentemente apareceu a Generación Evo. Jovens do campo e da cidade com
ótimo discurso e que devem formar grandes lideranças”.
Observadores populares acompanharão eleições
“Brasil é estratégico para as lutas populares no continente”, diz Yeanet Villegas Oblitas |
Yeanet Villegas Oblitas avalia que o poder popular é o motor da gestão assumida por Evo Morales e Álvaro García Linera (vice-presidente), em 2006 e, justamente por isso, tem criado “hegemonia” no campo político nacional.
Em entrevista coletiva na quinta-feira (9), a CSUTCB reuniu
delegações de países como Chile, Brasil e Argentina para discutir suas
atuações como observadores populares durante o processo eleitoral de
2014 – o país vai às urnas no domingo, 12 de outubro, data que marca o
Dia Nacional da Descolonização.
A modalidade, batizada como ‘veedores populares’, soma lutadores
sociais de diversas organizações do continente aos observadores
internacionais de órgãos como a Unasul, a Organização das Nações Unidas
(ONU) e o Parlamento Andino, fortalecendo as instituições democráticas e
exemplificando o protagonismo dado aos movimentos sociais na política
boliviana.
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