Stédile (à esq) fala na abertura da colheita do arroz orgânico; líder do MST diz que movimento incorporou a agroecologia
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão do governo federal, não diferencia a produção orgânica da convencional (com agrotóxicos e outros aditivos químicos) na sua estimativa atual de safra. Mas o Instituto Riograndense do Arroz (Irga), do governo gaúcho, confirma que o MST é, no momento, o maior produtor orgânico do grão na América Latina.
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O movimento exporta 30% de sua produção, segundo Emerson Giacomelli, coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico do MST.
Um dos responsáveis pela exportação é o zootécnico Anderson Bortoli, de 41 anos, da empresa Solstbio, na cidade de Santa Maria.
A empresa - sem relação institucional com o MST - compra o arroz orgânico de três assentamentos gaúchos e exporta-o para Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Noruega, Chile e México.
Bortoli coleta amostras do arroz nos silos e envia para a Bélgica para análises que garantem que não contenha nenhum agrotóxico e, assim, obtém as certificações de produto orgânico.
Apenas no município gaúcho de Nova Santa Rita, a produção do MST faz circular R$ 7 milhões por ano, movimentando a economia local, diz a prefeita Margarete Simon Ferretti (PT).
Os 4 mil alunos das 16 escolas municipais consomem alimentos orgânicos adquiridos pela prefeitura diretamente dos agricultores.
E os produtores de arroz orgânico trabalham no sistema de cooperativa e recebem, de acordo com Giacomelli, 15% a mais do que agricultores convencionais.
"Essa valorização é possível porque colocamos um produto de qualidade no mercado, com preço maior. Isso ajuda a manter os trabalhadores no campo", explica o gestor.
Agroecologia x agronegócio
"No início do MST, durante a crise da década de 1980, a meta principal do movimento era terra para trabalhar e criar as famílias. Naquele âmbito a visão era até um pouco ingênua: terra para quem nela trabalha. É um princípio justo, porém insuficiente para resolver os problemas da produção de alimentos. Na medida em que o MST foi evoluindo, fomos adequando nosso programa, fomos incorporando a agroecologia", diz João Pedro Stédile, coordenador nacional do Movimento Sem Terra, em entrevista à BBC Brasil.
Estudos acadêmicos mostram que o discurso da agroecologia foi incorporado pelo MST a partir dos anos 2000.
"A agroecologia passa a ser o principal discurso (do MST) para a viabilidade da reforma agrária e para dialogar com a sociedade civil - urbana ou rural", opina Caetano De'Carli Viana Costa, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) que estudou essa mudança do MST.
O modelo agroecológico, segundo Stédile, é antagônico ao do agronegócio porque este último "visa o lucro a qualquer custo, usando agrotóxicos, transgênicos e maquinário, o que afasta os trabalhadores rurais do campo".
De um lado, essa nova fase do movimento gera críticas de quem acha que ele deixou de lado sua pauta original para sucumbir às demandas do mercado consumidor.
"O MST abandonou sua pauta de luta para absorver um modelo de produção liberal - e por que não dizer capitalista - para lograr sucesso", critica Adriano Paranaiba, mestre em Agronegócios pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e diretor de ensino e pesquisa do Instituto Liberdade e Justiça (ILJ).
De outro, há quem critique as táticas tradicionais de invasão de terras, mas veja com bons olhos o avanço na produção de orgânicos.
"É um movimento invasor, próximo de uma atividade guerrilheira e que, por várias vezes, traz conflitos que ameaçam a vida das pessoas", opina Paulo Ricardo de Souza Dias, presidente da Comissão de Assuntos Fundiários da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).
"No momento em que eles são produtores, eles são nossos colegas. A nossa visão crítica é quando estão nesse movimento de guerrilha."
Procuradas pela BBC Brasil para comentar a posição do MST, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que representam o agronegócio, não quiseram se manifestar.
Menos desapropriações
Na teoria, os sem-terra invadem áreas improdutivas e desocupadas, o governo então indeniza os proprietários das terras, pagando o valor da área, e, por fim, dá a posse aos camponeses. Esse processo, vale lembrar, nem sempre é pacífico.
Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o Brasil tem 9.355 assentamentos. Nas contas do MST, o país possui 1,1 milhão de famílias assentadas e 130 mil famílias acampadas (sem a posse legal da terra).
"Durante os governos Lula e Dilma (2003-2016) a gente tinha uma briga porque tinha gente que dizia que os dois modelos, agronegócio e agroecologia, são compatíveis. E foi essa a política de Lula e Dilma, porque eles apoiavam o agronegócio e apoiavam a agricultura familiar", critica Stédile.
Stédile é ainda mais crítico ao governo de Michel Temer (PMDB), por causa da extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
"Deram a prova concreta de que não querem saber dos pobres do campo", diz o líder sem-terra.
À BBC Brasil o Incra afirmou que a extinção da pasta não prejudica as políticas voltadas para os assentamentos porque foi criada a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário.
Ao mesmo tempo, os decretos presidenciais que determinam a desapropriação de terra para destiná-las a assentamentos caíram 86,7% na comparação entre 2010 e 2016. Em 2010, Lula assinou 158 decretos desapropriatórios, contra 21 decretos assinados em 2016 (Dilma Rousseff foi afastada em maio, quando assumiu Temer).
No mesmo período, a quantidade de área desapropriada caiu 89%, de 321.525 hectares em 2010 para 35.089 hectares em 2016.
Por consequência, o valor pago pelo governo aos proprietários das terras desapropriadas também caiu, mas não na mesma proporção: 64,62% foi a redução entre 2010 para 2016, de R$ 326,4 milhões para R$ 115,4 milhões.
Assentamentos x acampamentos
O decreto presidencial é uma das últimas etapas da criação de um assentamento. Antes de serem assentados, os sem-terra passam pelos acampamentos.
É nessa fase que ocorre o maior número de desistências, conta Cedenir de Oliveira, de 38 anos, da coordenação estadual do MST. Sem água encanada, eletricidade e morando em barracas, algumas famílias não aguentam esperar pela desapropriação.
Nilce de Oliveira, de 40 anos, é uma das que aguardam: saiu de Guarujá (SP) com o marido e dois filhos. Eles são acampados na cidade de Charqueadas, a 40 km de Porto Alegre.
"Estamos debaixo da lona preta. O mais difícil é o inverno, porque é muito frio, a chuva molha tudo, o jeito é fazer fogo para se aquecer", conta Oliveira.
"A gente fica abraçado e enrolado nas cobertas", conta a filha Ingrid, de 7 anos, apontando para o irmão Michael, de 13 anos.
Além dessa precariedade, outra questão constantemente envolvendo os assentamentos é a violência no campo. Lideranças sem-terra dizem conviver com ameaças de morte e execuções de integrantes.
Em 19 de abril deste ano, nove homens sem-terra foram assassinados em um assentamento na área de Colniza, no Mato Grosso. As vítimas foram amarradas e torturadas antes de serem mortas. A suspeita é que capangas de fazendeiros da região tenham cometido os crimes.
Em 25 de abril, um dirigente do MST foi assassinado em casa, no Assentamento Liberdade, em Minas Gerais.
Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica, aponta que 59 pessoas foram mortas em 2016 por defender a reforma agrária e também áreas indígenas. O número é maior do que o registrado em 2003, ano com 71 mortes no campo.
Enquanto a violência no campo persiste, o MST espera que a produção de orgânicos seja adota em outras regiões do país. Emerson Giacomelli, de 43 anos, começou a desenvolver a técnica de manejo do arroz orgânico do MST há 15 anos.
Hoje, Giacomelli enxerga benefícios que vão além dos assentamentos: "É saúde para quem produz e para quem consome. Ajuda na permanência dos camponeses na terra, mas também ajuda quem compra a não ter que se preocupar com os malefícios dos agrotóxicos".
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