quarta-feira, 7 de novembro de 2018

REPRESENTATIVIDADE >> Divaneide Basílio: a nova vereadora do PT em 2019 é negra, cristã e da periferia

A Câmara Municipal de Natal está prestes a receber uma vereadora negra, militante da juventude, cristã e, em breve, doutora. Em 2019, a socióloga Divaneide Basílio substituirá a vereadora Natália Bonavides, eleita deputada federal. Diva, como também é conhecida, recebeu 2.236 votos em 2016 e ficou na primeira suplência do Partido dos Trabalhadores, do qual é secretária estadual de mulheres.
O desejo da futura vereadora é construir um mandato participativo, com caráter fiscalizador e muitas proposições.
Filha de trabalhadores rurais, nascida no município de Pedro Avelino, mudou-se para Natal aos quatro anos de idade. Na capital, o pai virou operário – “um caminho comum a quem sai do sertão”, diz ela.
Aos sete se mudou para o conjunto Santa Catarina, onde vive até hoje, na mesma casa que a viu crescer. Agora, com companheiro Luciano e os filhos, mas preservando costumes antigos como o de colocar cadeiras na calçada para conversar com a família e a vizinhança.
Maternidade
Para Divaneide, cada um dos quatro filhos trouxe uma nova bandeira de luta a sua vida. Primeiro foi mãe solo de Gabi, hoje com nove anos e adotada pelo companheiro Luciano. A segunda filha, Maria Rita, faleceu durante o parto. O terceiro é José, adotado pelo casal e que levou Divaneide a conhecer melhor e colaborar com o projeto Acalanto. E o caçula, Mateus, tem síndrome de down.
Além disso, a gravidez de Mateus foi de alto risco devido à trombofilia, acarretada pela anemia falciforme, que é própria da comunidade negra.
“Minhas lutas sempre existiram, mas é lógico que a chegada do meu filho me ensinou muito mais, me trouxe muito mais pra perto de outras minorias que eu conhecia, mas não sabia exatamente o que acontece, o que as mães passam. A gente está numa maratona de descobertas, estímulos, emoções”.
Trajetória política
A trajetória política de Divaneide Basílio começou quando era criança, nos movimentos culturais e comunitários do bairro Santa Catarina e da Igreja Católica na Paróquia Santa Maria Mãe, zona Norte de Natal.
Diva tem 40 anos e está no PT há 22, em uma trajetória que descreve como sendo de “diálogo e posicionamento”. Ela diz que começou a entender como a sociedade se divide de forma desigual ainda menina, participando de grupos da igreja que têm viés espiritual, mas também político. Lá aprendeu ainda a assumir liderança e a se comunicar melhor.
Ao se filiar no partido, participou de uma escola de formação de liderança juvenil no México, representando tanto o PT e como a Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP). Na volta, circulou o Nordeste junto com Rildo Veras em um movimento de articulação que originou a Rede de Jovens do Nordeste.
Nessa Rede teve a oportunidade de promover campanhas de políticas públicas para a juventude, que envolveram principalmente primeiro emprego, protagonismo juvenil e acesso à educação.
“A gente queria falar de protagonismo coletivo, da história de luta da juventude. Retomar o que foi a juventude no passado, que era muito ligada a movimentos estudantis, e dizer que tínhamos novas bandeiras, como a juventude rural. Não se discutia muito o ser jovem”, explicou como o assunto se tornou tema de sua própria identidade, militância e estudo, desde a monografia de sua graduação em Ciências Sociais até a tese que conclui no final de 2018 para o doutorado, que aborda também gênero e comunidade rural.
Naquela época, em paralelo à Rede, começou a atuar na Escola de Formação dos Quilombos dos Palmares, de onde hoje é sócia. Trata-se de uma ONG que busca fortalecer os movimentos sociais da região Nordeste.
“Esse processo formativo foi e é muito importante pra mim. E é o que nos forjou na luta”, ressalta, ao lembrar de um encontro com o padre Sabino Gentille, em que ele falou sobre trabalhar por uma sociedade mais justa.
“Perguntaram no final de uma dessas rodas de formação qual seria a oração para encerramento do encontro e ele disse ‘nós já passamos o dia em oração’. Aí a gente se tocou que aquele pensar a ação social era de fato a materialização da nossa ação de fé, que só tem sentido com o gesto concreto. E isso segue conosco até hoje”.
Entrou no Conselho Nacional de Juventude e participou, em 1999, da Conferência das Nações Unidas. Com feministas de todo o país, participou do Fórum do Cone Sul de Mulheres Jovens Políticas, apelidado de Forito e ligado à Fundação Friedrich Ebert.
Em um projeto coletivo de candidaturas jovens, foi lançada candidata a vereadora em Natal, em 2004, tendo recebido pouco mais de 1.500 votos. Algumas contemporâneas do Forito são a vereadora belo-horizontina eleita deputada federal Áurea Corlina (PSOL) e Severine Macedo, que foi secretária nacional da Juventude do Governo Lula. Nessa época, Divaneide chegou a ser chefe de gabinete da Secretaria, em Brasília, onde viveu de 2008 a 2012 e também foi consultora nacional para a juventude do Ministério de Desenvolvimento Agrário.
Durante esse período, importantes decisões foram tomadas no setor, como a incorporação do Projovem Urbano ao Ministério da Educação. “Não era sempre que as direções das escolas abriam à noite para o programa. Ele ficava um pouco à margem ainda e fizemos a transição dele para o MEC, foi muito importante, porque ele passou a contar no censo escolar”, disse, lembrando que criaram também programas de incentivo como Estação Juventude, Juventude Viva.
De volta a Natal, em 2012, coordenou a também jovem candidatura de Raoni Fernandes a vereador, atual presidente do PT Natal.
Em 2015 foi secretária estadual de Juventude do governo Robinson Faria, quando criou o Conselho Estadual de Juventude e realizou eventos como semana estadual, uma conferência estadual bem estruturada, acampamento em parceria com outros órgãos. Além disso, a gestão aprovou no estado o Programa Estação Juventude, que oferece serviços para promover a inclusão e emancipação dos jovens, mas após sua saída o governo não licitou e devolveu a verba. Divaneide critica: “a secretaria não tinha dinheiro. Conseguimos dinheiro e devolveram!”.
“A juventude morre na periferia porque não tem alternativa. Não dá pra imaginar a pessoa que vive em um lugar que não tem luz, transporte, que o direito ao território é de ficar lá isolado, não de circular. Vide os rolezinhos: a pessoa não pode entrar em um espaço público, não pode entrar em um shopping. É um apartheid social”, explica, contando que sabe do que se trata porque é também das periferias.
De acordo com Divaneide, a candidatura de 2016 não lhe renderá apenas o cargo. Os grupos virtuais temáticos formados para discutir pautas para a cidade continuam ativos até hoje e é como pretende construir o seu mandato, com participação popular e ouvindo novos segmentos, além do partido.
“A gente traz uma identidade coletiva. Temos compromisso em enfrentar intolerância religiosa e LGBTfobia”, cita ainda questões relacionadas à defesa de servidores públicos, a política de drogas, saúde mental, proteção aos animais, além de, claro, mulheres e juventude.
Feminismo
“Vamos continuar defendendo a pauta das mulheres de modo geral, mas precisamos entender que no debate das mulheres tem que ter um debate interseccional de mulheres, raça e classe. A preta de periferia e a que está em situação de rua tem uma realidade diferente das demais”, alerta.
Divaneide participou da terceira onda feminista, na década de 1990, que começou a abordar a condição feminina considerando a diversidade de etnias, origens culturais, religiões. O eixo norteador era “Onde encontro o meu feminismo?”.
De acordo com a futura vereadora, a terceira onda está se consolidando na quarta e entra em novos feminismos, como o ciberfeminismo. “Ali a gente tava falando das jovens feministas que lutaram pela institucionalidade. A gente foi acumulando questões e agora volta para o privado na quarta onda, com o direito de ir pra rua e o de voltar pra casa”, contextualiza, e acompanhada do bebê recém-nascido Mateus, pede reflexão sobre quais suportes as instituições dão às mães para ocuparem espaços na sociedade, em qualquer que seja ele, inclusive nas Câmaras.

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