A disputa da institucionalidade para adoção de medidas de redução dos agrotóxicos e em defesa da agroecologia tem encontrado, em vários estados e municípios, um cenário menos adverso que no âmbito federal. Questionada por uma ação da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) no Supremo Tribunal Federal (STF) a Lei 16.820/2019, proposta pelo deputado estadual Renato Roseno (PSOL) e sancionada pelo governador Camilo Santana (PT) no início deste ano, veda a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura em todo estado cearense. De mesmo teor, o Projeto de Lei 152/15, de autoria do vereador Sérgio Mendes (PSB), foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Vereadores de Cianorte (PR) no último dia 15 e aguarda sanção do Prefeito. No Paraná tramita matéria de mesmo objeto na Assembleia Legislativa Estadual.
Propostas para implementação de Políticas Municipal e Estadual de Redução de Agrotóxicos também tramitam em assembleias legislativas e câmaras municipais de diferentes localidades, como São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Paraná, Tocantins e Ceará, assim como matérias como criação de zona Livre de agrotóxicos, como a Lei 10.628/2019 em vigor em Santa Catarina, e de fim da redução da isenção ao mercado de insumos químicos, entre outras medidas que restringem o mercado dos agrotóxicos e criam incentivos à produção e comercialização de produtos oriundos da agroecologia.
“Enquanto não temos uma política nacional assegurada por lei, temos projetos de lei em vários estados e municípios para redução dos agrotóxicos e outras que estão no escopo [da política nacional desenhada da proposta da PNaRa] como proibição da pulverização área e outras iniciativas”, aponta a articuladora da Campanha Nacional Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Juliana Acosta.
Para observar realidades específicas nos territórios, a atual Lei Federal sobre os agrotóxicos (Lei 7.802/1989) atribui aos estados e municípios as competências de criarem suas próprias leis. Parte destas iniciativas serão relatadas em seminário realizado pela Campanha, no próximo dia 30, em Brasília (DF).
Na avaliação de mandatos, organizações e redes da agroecologia, a massiva presença de expoentes de defesa ou alinhados ao agronegócio no Executivo e Legislativo federal não apenas tem obstruído o avanço de medidas para fortalecimento da agroecologia como também tem fortemente implementado ações favoráveis ao agronegócio.
“O estado está complementarmente aparelhado pelo agronegócio. A gente tem o cenário que não é necessário implementarem o ‘Pacote do Veneno’ [Projeto de Lei 6.299/2002, de autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP)] porque o Executivo está efetivando o que o PL prevê”, complementa Juliana. Na avaliação das organizações e pesquisadores parte importante das previsões do “Pacote do Veneno”, de alteração e flexibilização, em profundidade, da legislação para plantio, comercialização e fiscalização dos agrotóxicos, tem sido efetivada pelo Executivo.
Sob atual comando de Teresa Cristina, ruralista ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e então deputada federal relatora da Comissão Especial do Projeto de Lei durante tramitação do PL no último ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem usado dos seus expedientes para avanço da flexibilização dos insumos químicos. Em pouco menos de dez meses de governo de Jair Bolsonaro (PSL), o Ministério liberou a marca recorde de 410 registros de agrotóxicos. Somada à liberação dos registros, a nova classificação dos agrotóxicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), implementada ao final de julho, confere ainda maior risco ao meio ambiente e à população na medida em que recategoriza muitos agrotóxicos como de menor toxidade, entre outras medidas de flexibilização.
Obstrução ruralista
Com um colegiado legislativo de defesa do agronegócio de 257 deputados federais e senadores, a Frente da Agropecuária tem se configurado, com ainda mais força que em legislaturas anteriores, como forte obstáculo ao avanço de projetos de lei para fortalecimento de modelo de produção de alimentos de base agroecológica.
O esforço da bancada ruralista – antes direcionado à aceleração da tramitação do “PL do Veneno” – volta-se para impedir o avanço de matérias como o PL 6670/2016, que Institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRa). O projeto de lei é uma proposição de organizações da sociedade civil após o Programa Nacional de Redução de Agrotóxico (Pronara), construído no âmbito da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), ter sido obstruído pelo então Ministério da Agricultura, à época sob comando da atual senadora Kátia Abreu (PDT).
“A PNaRa pode trazer como benefícios, caso implementada, de garantia de qualidade de vida, da população ter alimentação saudável. O Projeto de Lei estrutura eixos que vão desde a redução de agrotóxicos até a promoção da agricultura de base agroecológica. Isso garante segurança alimentar e promove trabalho e renda, na medida em que a agricultura familiar se organiza a partir de famílias que trabalham com a terra, com agroecossistemas”, destaca a engenheira agrônoma e educadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Francileia Paula de Castro.
Além de prever ações ao longo da toda cadeia produtiva da agroecologia, a PNaRa ainda prevê restrições aos agrotóxicos. Isso porque a coexistência, em áreas próximas, de modelos opostos na produção de alimentos – convencional e agroecológico – gera ônus à produção sem uso de insumos químicos. “É precisa lembrar que o sistema de produção convencional baseado em transgênicos e agrotóxicos inviabiliza a sobrevivência de sistemas agroecológicas porque existe contaminação. As lavouras convencionais contaminam as lavouras vizinhas, pela pulverização área, pela contaminação da água, etc”, comenta a integrante da secretaria executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Flávia Londres.
Com propostas antagônicas (veja tabela), ambos projetos de lei – PNaRa e “Pacote do Veneno – estão prontos para apreciação e votação pelo Plenário da Câmara dos Deputados. No entanto, no bastidor político, a leitura é que a composição da atual legislatura torna difícil a aprovação da PNaRa, por maioria simples (257 votos), e sequente avanço do Projeto de Lei do rito legislativo. “A bancada ruralista é mais forte na Casa [legislativa]. Essa pauta acaba sendo utilizada como moeda de troca da pauta econômica e é de interesse do governo Bolsonaro e do próprio presidente [da Câmara], Rodrigo Maia”, relata o deputado e relator do PNaRa, Nilto Tatto (PT-SP).
Fonte: https://agroecologia.
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