domingo, 16 de fevereiro de 2014

A lógica do do ‘Olho por olho, dente por dente’

Cenas de jovens presos a postes e agredidos por populares após a prática de supostos crimes ganharam recente repercussão nacional e trouxeram à tona a discussão em torno da prática de fazer “justiça com as próprias mãos”. 

Para o consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Ivenio Hermes, fazer “justiça com as próprias mãos” é uma prática condenável. “É uma ação danosa à sociedade e ao sistema de convívio social baseado no respeito à vida e à dignidade humana, pois subverte conceitos de paz e do julgamento adequado, promovendo uma punição rápida para alguém que ainda não foi julgado segundo as leis vigentes.”
 
Na avaliação do doutor em Sociologia e professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Thadeu Brandão, fazer “justiça com as próprias mãos” se caracteriza como uma espécie de vingança privada. “Onde o Estado é forte e as instituições de justiça efetivamente cumprem seu papel, o aspecto da vingança privada se enfraquece. Quando não, ela se fortalece. Em nossa região, por muitos séculos, predominou uma cultura da vingança atrelada a estilos de masculinidade sertanejos. Isso ainda não desapareceu totalmente.”
 
Segundo Ivenio Hermes, atualmente a prática de fazer “justiça com as próprias mãos” encontra incentivadores em todos os meios. “Além disso, falhas na forma de promover a segurança pública e a persecução penal têm levado alguns a optarem por essa prática, ou seja, a ausência do Estado em cumprir com sua parte na proteção de seus cidadãos motiva pessoas e grupos a cobrirem essa lacuna de acordo com seu julgamento.”
 
A avaliação de Thadeu Brandão sobre os fatores que levam uma pessoa a “fazer justiça com as próprias mãos” também segue a lógica do Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. “Dois fatores levam à busca da vingança privada em detrimento da justiça pública: um Estado incapaz de fortalecer suas instituições jurídicas, levando a uma sensação de impunidade crescente; ou, por outro lado, uma certa cultura que pauta o confronto e a violência como forma de resolução dos conflitos.”
 
Criminalidade e impunidade fortalecem cultura da violência
Os dois especialistas são unânimes em afirmar que a violência e a impunidade fortalecem a prática de fazer “justiça com as próprias mãos”. Para o consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Ivenio Hermes, a questão envolve também a falta de confiança da população em relação ao poder público.
 
“É a impunidade coletiva e individual que deixa o indivíduo sem confiança no Estado como seu protetor e protetor de seus direitos, fazendo enveredar pela justiça própria, sendo que essa provoca a mesma reação nas vítimas de sua justiça, que retornam em busca de vingança, criando um ciclo que se renova a cada morte, a cada ato de violência”, analisa Hermes, lembrando que tal quadro reflete a falta de freios das regras de convivência em sociedade.
 
“É um retorno ao estado de barbárie e volta à prática primordial da lei de talião, olho por olho, dente por dente, e retalia o crime cometendo outro.” Para o doutor em Sociologia e professor da Ufersa, Thadeu Brandão, além da violência e criminalidade, a morosidade do poder judiciário também contribui para o fortalecimento da prática de fazer “justiça com as próprias mãos”.
 
“O cidadão acredita que pode e, por conseguinte, deve solucionar os conflitos sozinho, sem apelar pelo Estado. A justiça, vista como morosa, inepta ou ausente, é substituída pela violência privada por meio da vingança”, avalia Brandão, citando casos de briga de famílias no Oeste potiguar, culminando em mortes contínuas.
 
Especialistas falam em sentimento de injustiça
Os especialistas consultados pelo DE FATO apontam o fortalecimento de políticas públicas para combater a cultura da violência. Para o Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Ivenio Hermes, é preciso ações e investimentos na segurança pública e em outros setores como a Educação.
 
“É preciso redefinir Segurança Pública como Política de Estado, integrando-a com a Educação principalmente, num remodelamento da forma de pensar das gerações futuras, que terão menos propensão ao crime se tiverem mais chances de pensarem na sociedade como um ente coletivo”, aponta Hermes.
 
“Enquanto esse processo se desenvolve, é necessário coibir a prática atual através de policiamento ostensivo integrado com o investigativo, da valorização profissional do policial, do aumento da velocidade do processo de investigação e da criação de um sistema de segurança pública célere e que evite o desperdício de tempo e dinheiro público”, acrescenta ele, destacando que a prática de linchamento e assassinato praticado por “justiceiros” são os atos mais perceptíveis da cultura de fazer “justiça com as próprias mãos”.
 
O doutor em Sociologia e professor da UFERSA, Thadeu Brandão, diz que para prevenir e coibir a prática de fazer “justiça com as próprias mãos” é preciso “fortalecer o sistema como um todo (policial, carcerário e social). A partir daí e concomitantemente, investindo em educação de tempo integral, esportes, etc., práticas voltadas para a nossa juventude.”

Fonte: Por Fábio Vale, da Re­da­ção fabiovalecm@gmail.com  - Jornal de Fato

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