Por Antonio Lassance no Correio do Brasi - Antonio Lassance, é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.
José Dirceu está preso
por ter cometido dois crimes: o de ter sido Chefe da Casa Civil do
Governo Lula e o de ter dito que seu partido tinha um projeto de poder. Essa não é uma desculpa de
quem defende Dirceu.
Esses foram os argumentos lavrados na peça de
acusação contra o ex-ministro, levada ao STF e que resultou em sua
condenação. É isso o que está atribuído como “crimes” cometidos por
Dirceu.
Ser integrante de um
partido, ser membro de um governo, disputar um projeto de poder, nada
disso jamais foi crime para ninguém. Mas foi para José Dirceu.
Muita gente não sabe, mas
Dirceu nunca foi sequer acusado de ter recebido ou distribuído dinheiro
do mensalão. Não foi acusado de desvio de um único centavo de dinheiro
público, nem de lavagem de dinheiro. Ele não chefiou quadrilha, conforme
o próprio STF concluiu.
Qualquer pessoa, como manda a
lei, sob essas circunstâncias, estaria livre, mas não José Dirceu. Ele é
um cabra marcado para ficar na prisão.
Condenado ao regime
semiaberto, continua em regime fechado, sem direito a trabalhar. Não por
ser um criminoso, não por ser perigoso, mas por ser um troféu, como
disse o doutor em Direito pela UFMG, Luiz Moreira, membro do Conselho
Nacional do Ministério Público (em entrevista ao jornalista Paulo
Moreira Leite, da revista IstoÉ). Ele não está preso por algo que tenha feito, e sim pelo que representa.
Não é preciso gostar ou
concordar com o que pensa José Dirceu para reconhecer que ele é um homem
digno submetido a uma condição indigna, injusta, arbitrária.
Toda e qualquer pessoa que
tenha um pingo de senso de justiça e de espírito crítico deveria se
indignar com a situação de quem tenha sido condenado sem provas.
No mínimo, mais pessoas
deveriam considerar estranho que alguém sentenciado ao regime semiaberto
seja mantido em regime fechado graças a boatos e suspeitas de
adversários. Ditaduras prendem pessoas por boatos, por acusações falsas,
por suspeitas de desafetos. Democracias jamais deveriam admitir tal
coisa.
Não é preciso ser filiado a
qualquer partido ou ser de esquerda para defender que qualquer pessoa,
seja ela quem for, tenha respeitado o seu direito de ser tratado com um
mínimo de dignidade e tenha sua sentença cumprida à risca.
É preciso reagir, revertendo
o efeito manada do bombardeio midiático que trata Dirceu como chefe de
uma raça que precisa ser extirpada. A frase lastimável de Jorge
Bornhausen é hoje a pauta clara da mídia cartelizada.
Deveríamos viver em um mundo
em que não se deseja o mal a uma pessoa simplesmente por não se
concordar com ela. Deveria ser assim, não fosse o ódio, o autoritarismo,
o golpismo.
O grau de injustiça da
condição a que José Dirceu está submetido é notório se compararmos ao
que os tribunais brasileiros fizeram (na verdade, ao que não fizeram)
recentemente, em outras situações.
Por exemplo, ao contrário de
Dirceu, Pimenta da Veiga, ex-ministro das comunicações de FHC, recebeu
dinheiro das empresas de Marcos Valério, o mesmo operador do mensalão do
PSDB. Dirceu está preso. Pimenta da Veiga é candidato “ficha limpa” ao
governo de Minas Gerais pelo PSDB.
Ao contrário de Dirceu,
Eduardo Azeredo foi acusado de apropriação de dinheiro público
(peculato) e lavagem de dinheiro. Dirceu está preso. Azeredo renunciou
ao mandato de deputado pelo PSDB para não responder ao STF – e
conseguiu. Boa parte dos crimes de que era acusado já prescreveu.
Ao contrário de Dirceu, José
Roberto Arruda, ex-governador do DF pelo DEM, ex-líder do governo FHC
no Senado, foi flagrado em vídeo pegando e guardando dinheiro vivo,
algo estimado em R$ 50 mil, jamais devolvidos aos cofres públicos. José
Dirceu está preso. Arruda está livre e é candidato ainda “ficha limpa”
às próximas eleições.
Ao contrário de Dirceu, o
ex-presidente Collor de Mello foi pego com um carro comprado com
dinheiro desviado, entre tantas outras coisas. Dirceu está preso. Collor
foi “inocentado” pelo STF, recentemente, de todos os crimes de que era
acusado, em grande medida, por prescrição dos prazos.
Ao contrário de Dirceu, o
ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, está na lista de
procurados pela Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol)
e tem uma ordem de prisão expedida. É procurado por fraude e por
roubo: http://www.interpol. int/notice/search/wanted/2009- 13608.
José Dirceu está preso. Paulo Maluf é deputado federal e trabalha de
frente para Joaquim Barbosa na Praça dos Três Poderes, no gabinete 512
do anexo IV da Câmara dos Deputados.
Dirceu está preso por uma
razão muito simples: ele não é Pimenta da Veiga, não é Azeredo, não é
Arruda, não é Collor, não é Maluf.
Ele é José Dirceu de Oliveira e Silva e está preso em regime fechado por ser um troféu. Dirceu está e continuará
preso, muito provavelmente, até as próximas eleições. Para muitos, é
isso o que importa. Ele é uma peça para o marketing eleitoral
oposicionista.
Condenado ao regime
semiaberto, continua preso em regime fechado. Aí está um excelente
pretexto para que o chamado mensalão continue a ser notícia todos os
dias, pelo menos até 5 de outubro.
Uma trama diária, urdida por
parlamentares da oposição em conluio com gente de dentro do sistema
penitenciário da Papuda, inventa “notícias” de que esse preso está tendo
algum tipo de privilégio. Certamente, o privilégio de
estar preso. O privilégio de receber manifestações de solidariedade. O
privilégio de reivindicar estudar e trabalhar.
É preciso decência e coragem
para defender José Dirceu. Quem o faz é imediatamente acusado de ser
conivente inclusive com crimes dos quais nem Dirceu foi acusado na Ação
Penal 470.
É mais fácil xingá-lo de
todos os nomes. É mais fácil cuspir em seu passado. É mais fácil
desmoralizar o que ele representa. É mais fácil divertir-se com ele
atrás das grades. Mais fácil, mais cômodo e mais desonesto.
É fácil perceber que o
ranger de dentes contra a pessoa de José Dirceu, na verdade, é o mesmo
feito contra Lula e Dilma. Dirceu sofre o castigo pelo incômodo contra
aqueles que comandam a coalizão que governa o país há quase 12 anos.
Para esses, Lula e Dilma
também deveriam estar presos, pois essa é a forma mais prática, talvez a
única, de impedi-los de disputar e ganhar eleições. “Se já não podes vencê-los, prenda-os”.
O crime comum, do qual
Dirceu, Lula e Dilma foram mentores intelectuais, foi o crime de terem
tirado milhões de brasileiros da miséria; de terem reduzido a
desigualdade mais rapidamente do que se fez em qualquer outro país; de
terem alcançado o desemprego mais baixo da história; de terem garantido a
autonomia dos órgãos de investigação e controle no combate à corrupção;
de terem criado mais universidades, em 11 anos, do que se fez ao longo
de todo o período republicano anterior. São réus confessos de todos
esses e muitos outros crimes.
Enquanto a AP 470 continuar
sendo uma exceção, confirmada pelo destino dado a políticos que são réus
em outros processos, estamos diante não só de um julgamento de exceção,
mas de um golpe.
A condução da execução penal
de José Dirceu é um arbítrio da pior espécie, comemorado, como não
poderia deixar de ser, pelos que têm uma tradição de comemorar golpes
maiores e menores contra a democracia.
O mensalão foi um golpe do mesmo tipo que aquele de editar um debate, à vésperas de uma eleição, em favor de um dos candidatos.
Foi um golpe similar àquele
de vestir camisas do PT nos estrangeiros que sequestraram o empresário
Abílio Diniz, para que a imagem dos sequestradores, fotografada e
televisionada, fosse associada à sigla.
A oposição de direita
pratica golpes como quem toma seu café da manhã – como se fosse a coisa
mais natural do mundo, como golpistas contumazes que são. Cercados de
corruptos, posam de éticos. Atolados na lama, falam em limpar o país.
Golpistas profissionais são assim.
Se não se pode banir um
partido político, em plena democracia, a ideia é tentar reduzi-lo a pó
para ser cheirado por uma oposição em busca de euforia.
Uma direita sem projeto, sem
nenhuma vocação de militância e de luta social, sem a cara e sem a fala
do povo brasileiro mais humilde sente um prazer monstruoso por condenar
quem os tem.
Tais atributos, hoje e
sempre, sentenciaram o destino dos que cometem os crimes de tentar mudar
o país e de fazer o povo entrar nos palácios pela porta da frente.
É por isso que José Dirceu está e continuará preso, ainda um bom tempo, sem o direito de trabalhar.
É por isso que devemos nos indignar e exigir que, ao menos, a sentença dada pelo STF seja fielmente cumprida.
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