A
reportagem sobre a correção de redações do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), exibida no programa Fantástico, no domingo 04/05, seguiu o
padrão geral jornalístico da Rede Globo quando o assunto é esse Exame:
apuração deficiente, erros conceituais e sobretudo muito, muito
preconceito e mistificação no tratamento de uma questão tão importante.
É realmente lamentável constatar que, ao invés de informar aos seus espectadores e ao público em geral as complexidades envolvidas na concepção, aplicação e avaliação do exame, a emissora carioca tenha optado por uma crítica jornalística rala, eivada de uma clara má vontade com o sistema atual de avaliação e que cria uma ideia negativa dele junto ao público a qual em nada contribui para o entendimento do que é o ENEM em sua realidade. Em suma, trata-se de um enorme desserviço à população, em especial aos alunos que já prestaram ou ainda prestarão o exame, os quais perderam uma ótima oportunidade para melhor conhecer o processo, além de um imenso desrespeito a todos os profissionais, docentes ou não, que trabalham duro e seriamente para que o exame se realize.
É realmente lamentável constatar que, ao invés de informar aos seus espectadores e ao público em geral as complexidades envolvidas na concepção, aplicação e avaliação do exame, a emissora carioca tenha optado por uma crítica jornalística rala, eivada de uma clara má vontade com o sistema atual de avaliação e que cria uma ideia negativa dele junto ao público a qual em nada contribui para o entendimento do que é o ENEM em sua realidade. Em suma, trata-se de um enorme desserviço à população, em especial aos alunos que já prestaram ou ainda prestarão o exame, os quais perderam uma ótima oportunidade para melhor conhecer o processo, além de um imenso desrespeito a todos os profissionais, docentes ou não, que trabalham duro e seriamente para que o exame se realize.
Em primeiro lugar, pode-se verificar que, ao contrário do que dava a
entender a massiva divulgação da matéria, levada a cabo durante toda a
semana em boa parte da programação global, não houve a devida e
necessária profundidade investigativa. Trocando em miúdos: a apuração
dos fatos, se é que houve, foi tão superficial que deixou passar erros
primários. O principal deles foi o de não discutir as granularidades
presentes durante o processo de correção das redações. Ainda que os
critérios de avaliação dos textos sejam definidos da forma mais objetiva
possível por uma equipe de professores doutores e em seguida amplamente
discutidos com uma banca avaliadora composta por mais de 7.000
professores durante todo o treinamento (que dura cerca de 7 semanas),
sua aplicação nunca é revestida de total objetividade, dada a própria
natureza do processo de leitura. A maior prova disso foi que a própria
equipe de professores formada para discutir a correção no programa
dominical não chegou a consenso quanto à nota em todos os textos por ela
avaliados. Justamente para se diminuir ao máximo possível essa
subjetividade é que o sistema de correção do ENEM adota a
obrigatoriedade de toda redação ser corrigida por dois avaliadores
diferentes, forçando a uma recorreção do texto sempre que houver
discrepância entre as notas totais conferidas ou entre as notas dadas a
cada um dos cinco critérios (um dado importantíssimo e que sequer foi
citado na matéria). Um mesmo texto pode ser recorrigido até cinco vezes,
sendo que em algumas delas a recorreção é feita por uma equipe de três
professores, ao mesmo tempo, que discutem as notas até que as
discrepâncias sejam diminuídas. Assim, ao invés de propor novas formas
de se lidar com a subjetividade inerente ao processo, o Fantástico
preferiu tratá-la como um problema insanável que compromete todo o
exame, o que não corresponde à verdade.
O mais duro é verificar que tudo isso poderia ter sido apurado com um
simples procedimento jornalístico: a indagação a qualquer um dos
docentes que participaram da elaboração e correção das redações. Uma
rápida entrevista seria suficiente para constatar que o sistema atual
foi criado para amenizar ao máximo possível um problema que, ao fim a ao
cabo, revela-se irremovível. Claro que essa sistemática não é infalível
e pode ser aperfeiçoada, e nesse ponto trazer ao programa as opiniões
dos professores sobre o processo poderia ser bastante produtivo para se
buscar uma eficiência avaliativa cada vez maior. Mas, pelo jeito, isso
foi sequer cogitado pela produção do Fantástico, seja por preguiça, seja
por em verdade se desejar mais sensacionalismo do que informação, ou
seja por haver pouca disposição para contribuir com os estudantes que
fazem o ENEM.
Depois, fica evidente que os autores da reportagem desconhecem
completamente o que seja estatística. Só isso explicaria o modo como
foram abordados dois diferentes dados sobre o ENEM na matéria. O
primeiro deles se refere à nota média geral obtida pelos alunos no
exame. Os apresentadores informaram, em tom alarmista, que a média das
redações ficou em torno de 600 pontos e que uma das redações elaboradas
por jornalistas “infiltrados” no ENEM recebeu nota próxima a essa média
pelos professores que participaram do programa televisivo. Ora, há muito
que os estatísticos sabem que os valores de uma determinada variável
tendem a se agrupar em torno da média, o que significa dizer que, quanto
mais próximo à média maior é a probabilidade de se encontrar um dado
valor. Ou seja, sendo a média geral do ENEM 600, é muito mais fácil
encontrar alguém que tenha obtido nota 580 ou 710, por exemplo, do que
encontrar quem tenha tirado 430 ou 950. Como a nota que o jornalista
travestido de candidato foi de 620, isso nada mais é do que
perfeitamente esperado, o que torna a informação inútil, por óbvia (a
menos que se queira criar mistificações).
Outro problema estatístico grave foi a insistência em se considerar
como falha comprometedora o fato de alguns dos textos falsos não terem
sido eliminados do exame por nota zero causada por desrespeito
(proposital) aos critérios adotados na correção. Em qualquer análise
séria que se faça sobre o ENEM é preciso sempre levar em conta a sua
dimensão e a magnitude do trabalho envolvido. Cada corretor do ENEM
avalia cerca de 3.000 redações num prazo de 30 dias, sendo que são cerca
de 5 milhões de textos a serem corrigidos. Nenhum processo desse
tamanho está completamente imune às falhas de qualquer ordem, como bem
mostram as linhas de produção em larga escala de algumas indústrias –
uma fábrica que produza um milhão de peças por mês certamente terá entre
essas peças algumas defeituosas, por mais sofisticada e cuidadosa que
seja a produção. Aqui, o que a estatística tem a ensinar é que não
adianta pretender algo isento de falhas, mas sim o de verificar se as
falhas estão dentro do aceitável, uma vez estabelecido uma margem de
erro. Portanto, o que a reportagem deveria ter feito não era
simplesmente apresentar um número de redações mal corrigidas (número
relativamente baixo, diga-se) mas sim o de averiguar se essa quantidade
de erros está acima ou abaixo do previsto, ou mesmo o de levantar a
discussão sobre as margens de erro estabelecidas para o processo de
correção – são altas, baixas ou o quê ? Fazer crer que a ocorrência de
falhas, tomadas em absoluto, compromete toda a avaliação é insistir na
falácia de tomar a exceção pela regra, o que não pode prestar senão para
manipulações e desinformação.
O que parece ficar claro na reportagem é que a Rede Globo, ou os
editores do Fantástico, ou seja lá quem estiver sendo representado por
eles, é contra o ENEM, procurando demonstrar, por meio da análise da
correção das redações, dentre outros pontos do exame, que todo ele é
falho, o que compromete sua eficácia como instrumento de avaliação do
ensino e, principalmente, como mecanismo de seleção de candidatos a
vagas nas instituições públicas de ensino superior. Parte-se do
pressuposto de que os elaboradores da avaliação são ineptos (sem
trocadilho com o INEP, órgão responsável pelo ENEM), que os professores
são incompetentes para a tarefa de correção e que basta aos alunos uma
boa dose de esperteza e cara-de-pau para conseguir uma nota que os leve à
universidade. Um jornalismo sério e de qualidade até poderia chegar a
esse estado de coisas como conclusão, mas jamais como premissa, como é o
que tem sido feito já desde o ano passado, com os casos das redações
com trechos de hinos de futebol e receitas de macarrão instantâneo, exceções tomadas como representativas do padrão geral. É a adoção de
premissas como essas que tornam as análises sobre o ENEM tão verdadeiras
quanto as redações “fake” escritas pelos repórteres com o claro
propósito de avacalhar com o exame, e não com a intenção de realmente
contribuir para a sua melhora. Por que não mostrar pontos que, de fato,
carecem de maior reflexão, como a baixa remuneração, que afasta da
correção outros professores igualmente qualificados, o prazo exíguo para
finalização da correção ou até mesmo novos critérios de avaliação ?
Reportagens como essa, além de dispensáveis, são ainda uma bofetada
no rosto de uma banca de professores altamente qualificados, recrutados
nas melhores universidades brasileiras, submetidos a duro e longo
treinamento e constantemente avaliados quanto ao seu desempenho durante
todo o processo. Ao contrário do que a matéria sugere, não são eles
movidos unicamente pelo dinheiro, ainda que esse seja obviamente um
componente importante, mas sobretudo são atraídos pelo desejo de se
aprimorar intelectual e profissionalmente, ao mesmo tempo que podem
contribuir com sua experiência para um processo vital para o futuro do
país. Falhas que eventualmente ocorram podem e devem ser sanadas, porque
o ENEM não é Fantástico, nem pretende sê-lo, para sorte dos estudantes
do Brasil.
A ignorância é a mãe da burrice.
ResponderEliminarExistem diversos erros no ENEM ,mas, também na maioria dos concursos, veja alguns exemplos:
*Após prisões e suspeita de fraude, concurso da Polícia Militar é anulado (http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/12/apos-prisoes-e-suspeita-de-fraude-concurso-da-policia-militar-e-anulado-no-piaui.html)
*Justiça cancela concurso público em Serrana, SP, por suspeita de fraude (http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2014/02/justica-cancela-concurso-publico-em-serrana-sp-por-suspeita-de-fraude.html)
*TJ do Rio julga desembargadores por suspeita de fraude em concurso (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/59035-tj-do-rio-julga-desembargadores-por-suspeita-de-fraude-em-concurso.shtml)
*PF prende 52 suspeitos de fraudarem vestibular de medicina em 38 universidades privadas(http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2012/12/13/pf-prende-suspeitos-de-fraudar-vestibular-de-medicina.htm)
Se em pequenos concurso é possível ocorrerem erros/fraudes imagine no ENEM onde a logística envolve algo em torno de 7 milhões de participantes.
Além disso, é fato que o ENEM deu um grande abalo na indústria dos cursinhos quando democratizou o acesso ao ensino superior e isso não agrada em nada aos setores conservadores das "zelites" que não querem dividir espaços com o povo. Por isso, essa campanha para desacreditar o ENEM. Chegando ao cúmulo de a Globo pagar editores para cometerem erros em redações, isso é antiético, péssimo jornalismo.
Sabe como me senti, nobre colega? Vendo aqueles programas em que contratam uma "modelo" para seduzir um homem e depois mostrar para sua esposa ou namorada... Ridículo, simplesmente ridículo. Deviam proibir o IBOPE e o DATAFOLHA de divulgarem pesquisas com "margem de erro", já que o mundo não se contenta com nada menos que a perfeição, não é mesmo? pessoalmente, não concordo que o ENEM seja o melhor instrumento técnico para classificação e seleção de candidatos, mas sua filosofia é nobre para uma boa avaliação educacional e o SISU é democrático e necessário. Alguns programas estão á serviço dos privilégios de seus consumidores. É só isso. É mais pobre do que qualquer preocupação ideológica. Vende? Publica! Parabéns pelo texto!
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