Fonte: Jornal Tribuna do Norte
São Paulo (Adital) - "Na região oeste do Pará - e comumente em quase toda a Amazônia - o poder político se funde como poder econômico". É por causa dessa união que os crimes ambientais ocorrem e não são fiscalizados, assegura Maurício Torres, que desenvolve pesquisa em Altamira, junto dos povos ribeirinhos e tradicionais da Amazônia. "Muitas prefeituras da região oeste paraense ilustram isso. Rurópolis teve recentemente seu vice-prefeito, Vilson Gonçalves, preso em decorrência de acusação por assassinato e por roubo de madeireiras em áreas de unidades de conservação", relata.
Ambientalistas demonstram preocupação com as políticas de preservação das florestas brasileiras
A partir dessa realidade detectada no norte do estado, o pesquisador critica o novo texto do Código Florestal, especialmente seu artigo 62, que delega aos estados a responsabilidade de analisar a recomposição nas margens dos rios. "Conferir ao poder político local a competência de decidir e agir em relação à questão ambiental pode significar algo como empoderar o madeireiro ou o desmatador para que ele próprio decida sobre seus limites e suas punições", assegura. E dispara: "Caso o Ibama fosse vinculado ao estado do Pará, ou se o órgão encarregado da fiscalização fosse estadual, teríamos razão para crer que desmatadores e ladrões de madeira agiriam na maior tranquilidade".
Torres também critica a anistia aos desmatadores proposta pelo novo texto do Código Florestal, pois "se a sensação de impunidade ainda deixava qualquer dúvida, agora fica bem explicado que toda violência contra o meio ambiente ou seus defensores será sempre perdoada".
Maurício Torres é mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo - USP e pesquisador da instituição. A seguir, trechos da entrevista:
Como ficam as competências dos governos estaduais e federal no novo Código Florestal? Com base em sua experiência de pesquisa no oeste do Pará, percebe alguma relação direta entre o poder político local e o poder econômico no cumprimento ou descumprimento da legislação ambiental?
Na região do oeste do Pará - e comumente em quase toda a Amazônia - o poder político se funde com o poder econômico. Esse último, por sua vez, muito comumente se associa a (ou mesmo decorre de) crimes ambientais. Conferir ao poder político local a competência de decidir e agir em relação à questão ambiental pode significar algo como empoderar o madeireiro ou o desmatador para que ele próprio decida sobre seus limites e suas punições. Muitas prefeituras da região oeste do Pará ilustram isso. Rurópolisteve recentemente seu vice-prefeito, Vilson Gonçalves, preso em decorrência de acusação por assassinato e por roubo de madeireiras em áreas de unidades de conservação.
O atual prefeito de Itaituba coleciona autuações milionárias por desmatamento e extração ilegal de madeira. As prefeituras de Aveiro e Trairão já tiveram máquinas apreendidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibamapor terem sido flagradas cometendo crimes ambientais no interior de unidades de conservação. A menção honrosa no envolvimento de políticos locais com crimes ambientais talvez caiba ao vice-prefeito de Anapu, Laudelino Délio Fernandes Neto, suspeito de envolvimento no assassinato de Dorothy Stang, em 2005. Ele é dono de uma das maiores madeireiras da região e acusado de roubo de madeira em área de assentamento de reforma agrária, entre várias outras coisas.
É grave, então...
A situação chega a extremos de um gerente do Ibama em Santarém-PAjá ter enfrentado pressão da então governadora Ana Júlia Carepa para que fossem interrompidas as ações de fiscalização contra madeireiros ilegais em período de campanha eleitoral. Caso o Ibamafosse vinculado ao estado do Pará, ou se o órgão encarregado da fiscalização fosse estadual, teríamos razão para crer que desmatadores e ladrões de madeira agiriam na maior tranquilidade.
É claro que o governo federal também tem seus comprometimentos (e como os tem!). Belo Monte está aí para quem quiser ver como o governo Dilma está disposto a romper com qualquer princípio de legalidade e, mesmo, de razoabilidade para levar adiante seus interesses políticos. Entretanto, ao menos sob a competência do governo federal, o polo de decisões ficaria um pouco mais distante dos domínios de poder dos interessados locais na degradação ambiental.
Qual o atual cenário da região oeste do Pará e, especialmente, de Altamira no que se refere ao cumprimento da legislação ambiental?
Grandes obras como a de Belo Monte, em Altamira, aumentam (e aumentarão muito mais) a demanda de materiais como madeira na região. Não há qualquer perspectiva de haver a suficiente quantidade de produto legal para a necessidade criada. Então, potencializa-se - e muito - o mercado negro calcado no crime ambiental. Além disso, peculiaridades do empreendimento em relação aos atropelos para seu licenciamento a qualquer custo (emissão de licenças inventadas, desconsideração a mais de uma dezena de ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal - MPF, etc.) acabam por imprimir o tom de que quem manda é o interesse do capital, independentemente de ser legal ou não.
A isso veio se somar a alteração do Código Florestal, em que a prepotência do agronegócio mostra seu poder e o deixa bem claro com a proposta de anistia aos desmatadores. Se a sensação de impunidade ainda deixava qualquer dúvida, agora fica bem explicado que toda violência contra o meio ambiente ou seus defensores será sempre perdoada. Não é coincidência que os já terríveis índices de violênciano campo tenham piorado após os sucessos da bancada ruralista na alteração do Código. Assim também como não é coincidência que tenham começado enfrentamentos e emboscadas a agentes do Ibama e do ICMBio, como o ocorrido em Castelos dos Sonhos(Distrito de Altamira) no início de deste mês. Essa é uma das consequências mais evidentes da política ambiental do governo Dilma.
Quais os desafios de cumprir uma legislação ambiental como o Código Florestal em regiões como a da floresta amazônica, onde há inúmeros conflitos entre produtores rurais, camponeses e povos da floresta na disputa pela terra?
Não há como pensar em conservação ambiental na Amazônia sem os povos da floresta: indígenas, ribeirinhos, quilombolas, varjeiros, beiradeiros e mais um sem-número de autoidentificações que são tratadas pela lei como "povos e comunidades tradicionais". É sempre muito ingênuo acreditar na eficácia de ações de fiscalização e de monitoramento que não contem com a participação das comunidades locais. E a discussão do novo Código Florestalaponta o sentido contrário: vem agravar a vulnerabilidade das populações tradicionais frente os agentes econômicos interessados em suas terras e recursos.
Os conflitos são quase sempre polarizados entre expropriados e expropriadores. São raras as disputas entre pequenos, entre colonos e ribeirinhos, por exemplo. No mais das vezes, esses grupos se alinham frente ao inimigo comum, vindo das classes dominantes e que lhes ameaça de expropriação. A delineação que o novo Código Florestal vem tomando, apesar de se apoiar num discurso do favorecimento do pequeno, fragiliza-o sensivelmente em relação ao grande.
Torres também critica a anistia aos desmatadores proposta pelo novo texto do Código Florestal, pois "se a sensação de impunidade ainda deixava qualquer dúvida, agora fica bem explicado que toda violência contra o meio ambiente ou seus defensores será sempre perdoada".
Maurício Torres é mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo - USP e pesquisador da instituição. A seguir, trechos da entrevista:
Como ficam as competências dos governos estaduais e federal no novo Código Florestal? Com base em sua experiência de pesquisa no oeste do Pará, percebe alguma relação direta entre o poder político local e o poder econômico no cumprimento ou descumprimento da legislação ambiental?
Na região do oeste do Pará - e comumente em quase toda a Amazônia - o poder político se funde com o poder econômico. Esse último, por sua vez, muito comumente se associa a (ou mesmo decorre de) crimes ambientais. Conferir ao poder político local a competência de decidir e agir em relação à questão ambiental pode significar algo como empoderar o madeireiro ou o desmatador para que ele próprio decida sobre seus limites e suas punições. Muitas prefeituras da região oeste do Pará ilustram isso. Rurópolisteve recentemente seu vice-prefeito, Vilson Gonçalves, preso em decorrência de acusação por assassinato e por roubo de madeireiras em áreas de unidades de conservação.
O atual prefeito de Itaituba coleciona autuações milionárias por desmatamento e extração ilegal de madeira. As prefeituras de Aveiro e Trairão já tiveram máquinas apreendidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibamapor terem sido flagradas cometendo crimes ambientais no interior de unidades de conservação. A menção honrosa no envolvimento de políticos locais com crimes ambientais talvez caiba ao vice-prefeito de Anapu, Laudelino Délio Fernandes Neto, suspeito de envolvimento no assassinato de Dorothy Stang, em 2005. Ele é dono de uma das maiores madeireiras da região e acusado de roubo de madeira em área de assentamento de reforma agrária, entre várias outras coisas.
É grave, então...
A situação chega a extremos de um gerente do Ibama em Santarém-PAjá ter enfrentado pressão da então governadora Ana Júlia Carepa para que fossem interrompidas as ações de fiscalização contra madeireiros ilegais em período de campanha eleitoral. Caso o Ibamafosse vinculado ao estado do Pará, ou se o órgão encarregado da fiscalização fosse estadual, teríamos razão para crer que desmatadores e ladrões de madeira agiriam na maior tranquilidade.
É claro que o governo federal também tem seus comprometimentos (e como os tem!). Belo Monte está aí para quem quiser ver como o governo Dilma está disposto a romper com qualquer princípio de legalidade e, mesmo, de razoabilidade para levar adiante seus interesses políticos. Entretanto, ao menos sob a competência do governo federal, o polo de decisões ficaria um pouco mais distante dos domínios de poder dos interessados locais na degradação ambiental.
Qual o atual cenário da região oeste do Pará e, especialmente, de Altamira no que se refere ao cumprimento da legislação ambiental?
Grandes obras como a de Belo Monte, em Altamira, aumentam (e aumentarão muito mais) a demanda de materiais como madeira na região. Não há qualquer perspectiva de haver a suficiente quantidade de produto legal para a necessidade criada. Então, potencializa-se - e muito - o mercado negro calcado no crime ambiental. Além disso, peculiaridades do empreendimento em relação aos atropelos para seu licenciamento a qualquer custo (emissão de licenças inventadas, desconsideração a mais de uma dezena de ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal - MPF, etc.) acabam por imprimir o tom de que quem manda é o interesse do capital, independentemente de ser legal ou não.
A isso veio se somar a alteração do Código Florestal, em que a prepotência do agronegócio mostra seu poder e o deixa bem claro com a proposta de anistia aos desmatadores. Se a sensação de impunidade ainda deixava qualquer dúvida, agora fica bem explicado que toda violência contra o meio ambiente ou seus defensores será sempre perdoada. Não é coincidência que os já terríveis índices de violênciano campo tenham piorado após os sucessos da bancada ruralista na alteração do Código. Assim também como não é coincidência que tenham começado enfrentamentos e emboscadas a agentes do Ibama e do ICMBio, como o ocorrido em Castelos dos Sonhos(Distrito de Altamira) no início de deste mês. Essa é uma das consequências mais evidentes da política ambiental do governo Dilma.
Quais os desafios de cumprir uma legislação ambiental como o Código Florestal em regiões como a da floresta amazônica, onde há inúmeros conflitos entre produtores rurais, camponeses e povos da floresta na disputa pela terra?
Não há como pensar em conservação ambiental na Amazônia sem os povos da floresta: indígenas, ribeirinhos, quilombolas, varjeiros, beiradeiros e mais um sem-número de autoidentificações que são tratadas pela lei como "povos e comunidades tradicionais". É sempre muito ingênuo acreditar na eficácia de ações de fiscalização e de monitoramento que não contem com a participação das comunidades locais. E a discussão do novo Código Florestalaponta o sentido contrário: vem agravar a vulnerabilidade das populações tradicionais frente os agentes econômicos interessados em suas terras e recursos.
Os conflitos são quase sempre polarizados entre expropriados e expropriadores. São raras as disputas entre pequenos, entre colonos e ribeirinhos, por exemplo. No mais das vezes, esses grupos se alinham frente ao inimigo comum, vindo das classes dominantes e que lhes ameaça de expropriação. A delineação que o novo Código Florestal vem tomando, apesar de se apoiar num discurso do favorecimento do pequeno, fragiliza-o sensivelmente em relação ao grande.
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