domingo, 22 de abril de 2012

Pau e Lata muito além dos ritmos

Idealizado em 1996 por Danúbio Gomes, projeto hoje contempla 13 núcleos em vários municípios do RN e Alagoas
 
Por Jéssica Barros // Especial para O Poti
Misturar ritmos da cultura popular e criar musica através de 'instrumentos' nada convencionais reciclados. Esta é a cara do projeto Pau e Lata. Idealizado em 1996 em Maceió por Danúbio Gomes, seu coordenador até hoje, o projeto surgiu em em uma escola pública do estado onde ele prestava trabalho comunitário dando aulas de música e teatro. Na oportunidade de se criar uma banda de música na instituição, veio a ideia de as crianças produzirem seus próprios instrumentos a partir de materiais que elas podiam trazer de casa. Atualmente com 13 núcleos espalhados pelo Rio Grande do Norte e Alagoas, o projeto conta com cerca de 380 integrantes e sua visibilidade só cresce.
No RN, tudo começou em 1997, no município de Baía Formosa, onde Danúbio teve a oportunidade de desenvolver o projeto e despertou o interesse de outras instituições e prefeituras pela ideia inovadora, seguindo depois para Natal. Na capital potiguar, Danúbio, em parceria com colegas do curso de Música da UFRN, desenvolveu o grupo Pau e Lata, que passou a fazer apresentações e ministrar oficinas, tendo inicialmente sua música composta por instrumentos convencionais e recicláveis. Segundo o coordenador do projeto, "o Pau e Lata é montado em um tripé ideológico: a questão artística, por meio da música; a questão sócio-ambiental (com a reutilização de materiais); e a politico-pedagógica (ensinando não só música, mas arte, história e construindo valores)".

Com o nome "Pau e lata: projeto artístico pedagógico", Danúbio Gomes explica que, além das aulas de teoria musical, toda a questão histórica do ritmo que está dentro do repertório é trabalhada dentro do processo pedagógico, "porque a gente entende que só ensinar a tocar a música é muito pouco. Perde-se tempo em se poder fazer outras coisas além disso. A própria música é um elemento pedagógico, um elemento educativo", diz.

A partir de 2000, o Pau e Lata virou projeto de extensão da UFRN, a maior parceira desde então, oferecendo a infra-estruturanecessária para o grupo ensaiar, ministrar suas oficinas e realizar outras ações. No núcleo da universidade, o foco pe formar agentes multiplicadores que, segundo explica Danúbio Gomes, aprendem para passar a ideia do projeto adiante e posteriormente coordenarem os outros núcleos do projeto. Como é o caso da estudante de Teatro Karina de Oliveira.

Karina, desde cedo envolvida com música, está há dois anos no projeto. Ela conta que já conhecia o Pau e Lata através de suas apresentações em eventos, mas só entrou no grupo quando ingressou na UFRN. O que lhe chamou a atenção foi a reutilização de materiais para fazer música, como também os ritmos tocados, que ela diz nunca ter ouvido antes. De acordo com Karina, sua ideia inicial ao participar do projeto era apenas tocar, mas quando entrou para a realidade do Pau e Lata, viu que "era muito mais que isso", como diz. "As relações criadas lá dentro, as pessoas que você conhece, o conceito pedagógico... É um crescimento pessoal também", conta ela. Este ano, Karina passou de apenas integrante e começou a ministrar oficinas no bairro de Felipe Camarão. Segundo ela, o projeto "é uma forma mais dinâmica e lúdica de lidar com a música".


Ritmos

Com apresentações compostas 70% por músicas autorais e 30% sendo adaptações de músicas já conhecidas, o grupo trabalha com o desenvolvimento dos ritmos considerados da cultura popular, como maracatu, coco de roda, ciranda, samba, samba-reggae e rap. Os ensaios do núcleo na UFRN acontecem toda segunda e quarta, das 19h às 21h, na Praça Cívica. Para participar, não é necessário ter noções de música nem pagar qualquer valor, apenas ter vontade de aprender e de contribuir com o projeto.
Trabalho de resistência

Flautista por formação e idealizador do Pau e Lata, Danúbio Gomes fala da realidade que se encontra a cena cultural brasileira. Segundo ele, as deficiências já foram piores no passado, mas ainda se tem muito a superar no futuro, pois história da cultura no Brasil é repleta de sacrifícios e as dificuldades não são exclusivas dos que trabalham com música. Danúbio fala que sempre houve uma hiper-valorização do que vem de fora, mas essa realidade vem mudando há alguns anos.

Está sendo valorizado também o que existe no Brasil e o que é feito no país para os brasileiros. Para ele, é real essa valorização do exterior, mas também é real que sempre houve uma resistência aos problemas enfrentados, pessoas que lutaram ao longo da história em prol da cultura brasileira e é isso que lhes dá força a continuar resistindo, fazendo o que o Pau e Lata faz, mas Danúbio ressalta que não dá para combater as abversidades sem um trabalho de qualidade.

Coordenador do núcleo de Mossoró, poeta e cordelista, Amendoim conta que iniciouseu contato com o Pau e Lata em 2004, fazendo intervenções poéticas nas apresentações do grupo. Além da musicalidade, o regionalismo das batidas o encantou. Ele diz que o trabalho é difícil e muitas vezes têm até que lidar com o preconceito de algumas pessoas.

Como em Mossoró, o trabalho é realizado com criança de comunidades de baixa renda, é comum o grupo se envolver com as famílias das crianças que particpam do projeto. "Muitas vezes o problema está em casa e a gente primeiro dissocializa para depois ressocializar aquela criança". Amendoim friza o perfil pedagógico do projeto, que traz novos conceitos e valores aos jovens. "Muitas embalagens, inclusive, são tidas como não-reaproveitáveis pelos fabricantes e nós mudamos isso", diz ele.

Ocupação da Câmara

Durante a onda de protestos contra o poder público municipal de Natal no primeiro semestre de 2011, membros do grupo Pau a Lata participaram do movimento de ocupação da Cãmara Municipal de Natal. Segundo o coordenador do projeto, Danúbio Gomes, a ação segue de acordo com a ideia inicial do projeto, desde que o Pau e Lata escolheu trabalhar música com crianças de uma forma não convencional, com a construção desse material por elas crianças e isso traz muito da posição político-ideológica do grupo.

Segundo Danúbio, o projeto trabalha também com a construção de valores e isso é expressado não só na sua arte, mas também onde o grupo toca, como se apresenta e quando o Pau e Lata se envolveu com a ocupação foi porque entenderam que "era necessário participar daquele processo, porque fazemos parte de um movimento como um todo em prol da cultura, da educação e da cidade", diz ele. Os integrantes do grupo passaram 11 dias na Câmara e transferiram todas as suas atividade para o local ocupado, realizando seus encontros semanais e oficinas. Danúbio diz que o que aconteceu de fato na ocupação foi "uma aula de campo em todas as instâncias envolvidas", relata.

Sem comentários:

Enviar um comentário