Fonte: AgênciaReuters
Colocar um paciente paraplégico para caminhar dentro
de campo e dar o pontapé inicial da Copa do Mundo no Brasil será apenas o
primeiro passo de um projeto que continuará a ser desenvolvido, com o
objetivo de ajudar pessoas com paralisia a andar novamente, afirmou o
neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis.
À frente de uma equipe de 156 cientistas de 25 países, Nicolelis está
concentrado na reta final para a demonstração na abertura do Mundial,
em 12 de junho, quando um paciente paraplégico caminhará pelo campo da
Arena Corinthians usando uma estrutura robótica chamada de exoesqueleto e
dará o pontapé inicial da partida entre Brasil e Croácia.
"A demonstração da Copa é simbólica... Não é ciência. A ciência nós
fizemos aqui (no laboratório). Está sendo feita aqui... É quase que um
presente do Brasil para a humanidade, mas é só o começo, é um primeiro
passo, literalmente", disse o neurocientista em entrevista à Reuters no
laboratório instalado desde novembro na zona sul de São Paulo.
"O intuito, a longo prazo, de toda a rede Walk Again pelo mundo
afora, é criar tecnologias que possam ser usadas pelos pacientes. Não só
o exoesqueleto, existem outras tecnologias em que estamos trabalhando",
acrescentou.
Eles também passaram pelo que Nicolelis chama de "treinamento
cerebral" num sofisticado simulador em que os pacientes comandam os
movimentos de um avatar na tela e recebem, por meio de sensores táteis, a
sensação de estarem caminhando.
Para realmente deixá-los preparados para o ambiente da abertura do
Mundial, o som ambiente é o de uma barulhenta torcida. Entre as torcidas
ruidosas escolhidas pela equipe de Nicolelis estão a alemã e a turca.
"(A ideia) é fazer o cérebro imaginar que as pernas funcionam de
novo", explica o cientista sobre o simulador, que foi testado,
inclusive, pelo ex-atacante da seleção brasileira Ronaldo, numa visita
que fez ao laboratório de Nicolelis.
Após este treinamento cerebral, os pacientes passaram a usar o
exoesqueleto, ferramenta que permitirá não apenas que eles andem
novamente usando os comandos cerebrais, mas também que sintam a sensação
de caminhar, graças a uma "pele artificial" coberta por sensores, que
vai revestir o aparelho.
E a equipe de Nicolelis já mira melhorias no exoesqueleto, como a
redução do peso dos atuais 70 quilos para 50 quilos, já antes da
abertura da Copa, e num prazo um pouco maior, a inclusão de braços no
aparelho para que ele também seja usado por pacientes tetraplégicos.
O projeto Walk Again (Andar de Novo) teve sua ciência básica
--experimentos em animais, por exemplo-- financiada pelo National
Institutes of Health (NIH), órgão do governo dos Estados Unidos que é a
maior agência de pesquisa biomédica do mundo. A fase clínica, que está
sendo feita no Brasil, tem financiamento de 34 milhões de reais da
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa de fomento à
pesquisa ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia.
"Cientistas que eu conheci na minha carreira que não ganharam o
Prêmio Nobel, fenomenais, nunca perderam o sono da noite, porque eles
sabem que a contribuição deles vai entrar para a história, a despeito do
que um grupo de pessoas decida na Suécia."
O neurocientista, que mostra seu patriotismo com uma bandeira do
Brasil sempre ao lado do exoesqueleto e com fotos da seleção brasileira
espalhadas pelo laboratório, manifesta confiança na realização da Copa e
vê um "pessimismo exacerbado" vigente hoje no país.
Reclama ainda do fato de que algumas pessoas "jogaram contra" seu
projeto no Brasil, e atribui o fato à uma "polarização" que o país vive
sem, no entanto, entrar em detalhes.
Nicolelis, de 53 anos, guarda ainda um grande segredo: usará ou não o
inseparável boné do Palmeiras diante de 68 mil torcedores na Arena
Corinthians, estádio do maior rival do alviverde?
"Essa é a pergunta mais importante de todo projeto. É a pergunta que
aterroriza o meu pai corintiano", brinca. "Vou deixar em segredo isso,
até o momento final."
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